Estamos vivendo num “admirável mundo novo”[1] em que a sociedade se organiza em espaços virtuais, a exemplo do facebook, twitter, orkut e outras redes de relacionamento existentes na internet.
A época é apontada como a era das incertezas, das fragmentações, do imediatismo, do niilismo[2] e da substituição da ética pela estética, ou, usando as palavras de Bauman[3], são tempos de “modernidade líquida”.
Os avanços tecnológicos acontecem dia após dia e a internet trouxe agilidade aos processos de trabalho. Além disso, permite que hoje a transferência de comunicação aconteça praticamente em tempo real.
Não conseguimos mais ficar “off-line”[4] e a informação é valorizada como uma forma de poder dentro do meio corporativo.
E qual o impacto dessas mudanças nas relações de trabalho ?
Se por um lado os avanços da tecnologia trouxeram facilidade nas transações comerciais, rapidez nas informações e possibilidade de pesquisas e trocas diversas, por outro lado, abriram espaço para discussões a respeito de sua utilização.
O primeiro ponto a ser abordado diz respeito ao correio eletrônico e a inviolabilidade, ou não, das mensagens ali contidas pelo empregador.
Em razão de ausência de legislação específica sobre a matéria, o debate só aumenta.
A nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XII[5], trata do sigilo das comunicações telefônicas.
Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.296 para regulamentar o inciso XII[6], parte final do referido dispositivo constitucional, determinando que a interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução penal, dependerá de ordem do juiz competente da ação principal em segredo de justiça, aplicando-se também nos casos de sistema de informática e telemática.
A controvérsia instalada é se o correio eletrônico pode ser considerado correspondência ou equipara-se a uma ligação telefônica, vez que a utilização da internet ocorre via rede telefônica.
O Supremo Tribunal Federal vem adotando a posição de que o correio eletrônico não seria correspondência, mas a violação de seu conteúdo fere o direito de privacidade que tem todo cidadão garantido constitucionalmente.
Portanto, deve evitar o empregador imiscuir-se e controlar as mensagens trocadas por seus funcionários, pois ainda que não exista norma específica na legislação trabalhista, a Constituição reina de forma soberana.
Na opinião de Amauri Mascaro Nascimento[7], o empregado merece ser protegido e a fiscalização do trabalho não pode ser um poder ilimitado, assim como a privacidade deve ser respeitada.
Há os que defendam a idéia de que é possível o controle dos e-mails trocados pelos empregados, pois foram direcionados do sistema da empresa e são de propriedade do empregador.
É evidente que o empregador goza de poder diretivo[8], mas o exercício desse direito deve ter restrições.
A necessidade de privacidade e intimidade no local de trabalho devem prevalecer.
Quanto à utilização pelo trabalhador da internet da empresa para fins estranhos ao serviço, entendo que pode ser considerada falta grave para a rescisão do contrato de trabalho.
Normalmente, grandes empresas se utilizam de softwares de bloqueio para evitar o mau uso dos seus computadores no horário de trabalho, rastreando sites de conteúdo indesejável.
Não há na legislação nenhum dispositivo que impeça o empregador de fiscalizar as atividades do empregado, evitando assim o mau uso da internet.
Assim como a recomendação que se faz ao empregador é de não controlar o correio eletrônico dos seus empregados, estes devem estar cientes de que a internet no trabalho deve ser utilizada com moderação, evitando sites de relacionamento e outros de conteúdo estritamente pessoal.
LISIANE MEHL ROCHA
[1] Admirável Mundo Novo (Brave New World, na versão original), foi publicado em 1932 por Aldous Huxley e narra uma fábula futurista onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente a viverem em harmonia de acordo com determinadas regras e leis sociais, dentro de uma sociedade organizadas por castas. O tema abordado em Admirável Mundo Novo é o avanço da ciência, seus progressos e como isso afeta os seres humanos.
[8] CLT, art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços.